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Quando eu te vi - Última Parte

Respirei fundo, reorganizei as ideias, e torci para que meu rosto não transparecesse meu susto. Quem era ela?
Não conseguia lembrar-me se a conhecia ou não. Não tinha visto ela em outras ocasiões. De onde ela surgiu? E que intimidade era aquela?
Só conseguia pensar que tinha sido vítima de mais uma brincadeira de péssimo gosto. E resolveria de maneira simples: era só fingir que não tinha sido convidada por ele pra ir jantar. Nem ao menos pedir alguma explicação. Eu terminaria sabendo depois o que de fato aconteceu. Além de que não queria nenhum envolvimento emocional com ele, e era visível que existia interesse por parte da garota (e ele não me parecia ficar alheio a isso), até então inexistente.
Sorria e acene. Foi o que fiz. Com direito a dois beijinhos e tudo mais que se tem direito ao se conhecer alguém. E não foi falso. Por que iria me chatear com ela? (Mas ELE abusou. Avisou pra todo mundo (!) que iria levá-la em casa.)

Choveu questionamentos. E a propaganda dele começou a desmoronar. Todos os defeitos, inabilidades e falta de bons modos com os sentimentos femininos surgiram como avalanche na boca dos que o conheciam. O engraçado é que eu não me importei com o que falavam.
Estava mais próximo do dia dos namorados e comecei a olhar minha carteira algumas vezes pra ter certeza que eu tinha dinheiro extra pra sair no dia 12 sozinha. Mas sairia sim, para um bom jantar eu comigo mesma.

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Andando, não me recordo ao certo o que fazia, esbarro com ele. Eu, certa de não questioná-lo nem pedir satisfações, decido não dirigir-lhe a palavra sobre o assunto. Ele segura meu braço, olha fixamente nos meus olhos e:


- Você está com raiva de mim?


- Tenho motivos?
- Não.
- Então não estou.

Não consegui pensar em algo melhor para dizer. Só queria não me sentir cobrando de alguém algo que ela não precisava me dar. Nós não tínhamos nada, e nem queríamos.




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Dia dos Namorados. Acordei e fiz tudo que tinha que ser feito como um dia qualquer. O encontrei, cumprimentei e não toquei no assunto da garota ou do jantar. Mas ele...


- Você ainda vai comigo para o jantar?
- Tem algum motivo que me impeça de ir?
- Não!
- Então eu vou.


(Diálogos profundos e cheios de esclarecimentos, como você pode notar (rs).)



Já a noite todos os conhecidos marcaram de sair juntos antes de se dirigirem para o jantar. Quando decido ir penso em algo importante: "Quem vai?" Descubro que só vão casais. SÓ CASAIS! Desisto de ir. Todos os solteiros haviam decidido ficar em casa e curtir seu encalhamento sem ter que obrigar seus olhos a verem, por todos os lados, casais felizes e apaixonados. Achei boa ideia.


Mas insistiram para que eu fosse. Argumentei de todas as formas. Que não tinha roupa pra sair, que não tinha sapato de salto, que meu cabelo estava horrível... mas conseguiram dar um jeito de quebrar cada uma de minhas desculpas.

Já pronta, alguém bate na porta do quarto e me avisa que ele está me chamando. Saio ao encontro dele com os pensamentos a mil. "Como dizer a ele que não quero nenhum envolvimento emocional? É só um jantar!" 
Ele pede que eu o acompanhe. Pergunto pra onde e ele nada responde. Percebo que estamos nos dirigindo a cobertura do prédio e as frases, já ensaiadas na mente, soam duras demais para serem ditas.


Céu estrelado e uma brisa suave me recepcionam quando chego na cobertura do prédio. O silêncio entre nós e o mundo era perturbador. Me esforçava, mas não conseguia ouvir o som dos carros que passavam lá embaixo, na rua. Era só eu e ele. Meus pensamentos pausaram e só uma constante pergunta ecoava em meus ouvidos: "O que vai acontecer?"

Ele me para num determinado lugar e se afastava para buscar alguma coisa. Retornando percebo que ele traz o tipo de presente que eu só havia ganhado na infância. Isso me enche de um afeto muito saudoso, e ao ouvir que era uma simples lembrança daquele dia, agradeço com imensa sinceridade. Numa fração de segundos as manivelas de minha cabeça voltam a funcionar e começo a não achar no meu banco de palavras mentais, as sentenças corretas e não ofensivas de dizer "isso não pode passar daqui.". Quando volto para a situação vejo ele, diante de mim, sorrindo, com uma rosa na mão. Pego a rosa rapidamente e... o tempo para. Parece que somos os únicos no mundo. A respiração praticamente some. Ele me beija, e eu retribuo. Segundos apenas. Mas a sensação até hoje me traz felizes memórias. Me separo dele e as palavras saem como devem sair:


- Você está pensando que é só chegar beijando e pronto?
- Não!?
- Claro que não! E temos que conversar sobre isso (!).

E saio desesperadamente dali. Queria ir pra casa, mas não podia. Não tinha alguém que eu pudesse contar o que havia acontecido e me ajudar a sair daquela situação. Torci para não encontrar ninguém conhecido que me constrangesse com perguntas sem resposta. 


"O que foi aquele beijo? Por que reagi daquela forma?", era o mantra fixo em minha mente. Ele vai até mim, tenta me beijar, desvio e não consigo falar nada. Mas as perguntas existiam aos montes: "Afinal, o que você quer?", "Foi impulso motivado por carência?", "O que você estava pensando de mim? Que sou fácil?", "Você nem sabe meu sobrenome, como pensou que podia me beijar, assim, do nada?", "E aquela garota, sabe que não existe nada entre vocês? Ou existe e eu sou diversão, plano B?"; essa última questão me desnorteou. Mesmo sem conhecê-la, seria justo?


Ele insistiu em ficar perto de mim, tentou me abraçar, tocar em minha mão, mas eu sempre impedindo sutilmente para não ser agressiva. E ele um verdadeiro cavalheiro, e eu extremamente silenciosa. Havia uma praça ali perto. Precisava de ar. Resolvi me afastar do grupo e pensar em como dizer não a ele, mas iniciar uma amizade. Nem mais, nem menos que isso. Mas ele resolve me acompanhar. Tentando iniciar uma conversa com a naturalidade que se cabia as atuais circunstâncias, ele tenta se mostrar amigável e até com um tom de desculpas na voz me diz que não tem nada com ninguém. Porém eu permanecia em estado de choque sem proferir uma só palavra, apenas acenos com a cabeça e ensaios de sorrisos amarelos de vergonha e incômodo. Chegamos no final da calçada e paramos num cruzamento esperando o sinal fechar e assim chegar na minha tão desejada praça. 

Atravessando, despretensiosamente, ele questiona:


- Então... você namora comigo?
- É. Pode ser.

Sem palpitações, surpresas, nervosismo, frases clichês... Nada. Numa calçada era uma solteira convicta, e atravessando a rua, era namorada de alguém que eu não conhecia mas que tinha a sensação que faria parte do protagonismo de uma boa história. E assim fomos jantar, de mãos dadas. 




Cada vez que repito pra mim, pra ele, pros outros essa história, a felicidade se torna evidente. Foi tão incomum, tão intenso, tão diferente, tão inusitado, que se eu pudesse prever o futuro saberia exatamente que ali nos conhecíamos como ninguém mais saberia sobre nós. Foi exatamente como tinha que ser. Nos descobrimos apaixonados ali, naquele instante. Cada vez que o vejo, o coração acelera igualzinho como foi em nosso primeiro beijo. 



E foi assim que quando eu te vi sabia que era você.


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