Pular para o conteúdo principal

Postagens

O medo sentou no meu divã

17 anos. Pai, mãe, irmãos, amigos. O desejo da independência muito forte. Morar longe dos pais, fazer sua graduação, conseguir um emprego e poder viver sua vida do modo que desejar. Sonhos de alguém que deseja mais para vida porque a força da jovialidade faz isso. Mas esse alguém entra no meu consultório, fecha a porta atrás de si, suspira e me sorri como que por educação. Pergunto como está e num tom de voz baixo e pouco confiante diz que está tudo bem. Não acredito muito em sua resposta e passo a investigar mais a fundo o que lhe acontece. Num tom como de quem conta a um diário, narra que naquela semana não havia tido brigas em casa. Ela não havia sido xingada em nenhum momento. Para este alguém, sentado diante de mim a mais de um ano, era uma vitória e tanto já que costumeiramente o clima familiar não é um dos melhores. Porém havia uma inquietação na alma daquela jovem que a fazia balançar a perna, mexer-se no sofá como se estivesse sempre desconfortável e tomar uma almofada, abraç
Postagens recentes

Sobre aneis e dedos

Ao trilhar novos caminhos, devemos ter fixo em nossa mente os caminhos que outrora deixamos para trás. O refazer a si mesmo consiste em perceber de onde viemos para não perdemos o alvo e o caminho. Não por desejarmos tal lembrança, mas por almejarmos dias melhores. O eu que desejo para mim passa por constantes transições. Essas mudanças nos tiram de nossas zonas de conforto nos pondo frente a frente com nossos medos e recusas. Certa vez ouvi, o que alguns hão de nomear como "ato falho", mas que para mim ressoou de uma maneira muito profunda e particular. Assim era a fala: "- Vão-se os dedos, ficam os aneis.". O dizer, de fato, é ditado na forma inversa numa alusão a possibilidades do fazer de novo, outra vez; numa espécie de ciclo constante de começar para acertar ou fazer diferente. Maneira positiva de se ver a vida. Mas ao soar ao contrário, fez-me despertar para o engano da constante e perene felicidade que se propaga em nossos tempos. O viver é de idas e vind

Você precisa saber pequenino

Já podia te abraçar pequenino Ao descobrir uma coisa nova Já podia te ouvir balbuciar papá Enquanto ias á escola Podia até afirmar que vi teu sorriso Ao saber que eras bem vindo nesse mundo colorido. Não sei bem o que te aconteceu. Apertado demais, asfixiado, talvez, inquieto, m exia-se para avisar a mamãe que algo não ia bem. Perdoe-nos pequenino, somos grandes e adultos demais para entender o bem que faz sentir como um neném. Passou do tempo de irmos a tempo salvar nosso precioso bem. O sorriso nos sumiu. O mundo pra nós caiu. Queríamos não sentir e ouvir que nossa vida se extinguiu. A lágrima escorreu no rosto e na alma e pude sentir, pequenino, que você sempre nos fará falta. De mãos dadas com mamãe vamos passar por essa fase. E de você pequenino, que tão pouco sabíamos, sentiremos saudade. (Para aqueles que perderam um pedaço de si, ainda que inteiros. J aneiro 31, 2017)

Se fosse deserto

Se meu morar fosse deserto, Em cada canto de areia teria um pouco de mim por certo. E a sede, da falta d’água, Mataria com o sossego do silêncio. Se meu andar fosse deserto, Espalharia grãos de afeto pra quem estivesse perto. E contaria minha história em rima, prosa e verso. Se meu sorrir fosse deserto, Seria largo e sincero com desejo de ser universo. E na imensidão, a perder de vista, Deixaria minhas dores, minhas sinas, desafetos. Se meu viver fosse deserto, insistiria em ser oásis além do tempo. E se a tempestade de areia vinhesse, Sorriria e dançaria a valsa do vento, Sem perder de vista o lampejo do viver satisfeito. (29/08/2017)

Passou

Tem gente que tem saudades da infância. Outras sentem falta da adolescência. Alguns lembram com saudosismo da juventude. Eu sinto falta do segundo que acaba de passar. Sabe como é? Como que se eu perdesse cada chance com o segundo que passa. Como esse instante que acabou de passar. Viu? De novo. Isso me irrita demais. Quando decido aproveitar o próximo segundo... pá! Perco ele de novo. É muito rápido. Volto a estaca zero. Retorno aos planos e reorganizo o passo a passo. Respiro fundo e miro no próximo instante. Perdi mais uma vez. Aprendo cada dia, que cada instante que se vai trás outro que fica. Por milésimos de segundo, talvez, mas vem e fica. E o que faço com esse momento é determinante para saber se o lamentarei ou vibrarei ele no segundo que se seguir. Não digo que esse é o jeito certo de viver a vida, mas te digo, com certeza, que é um caminho possível de ser trilhado. Nem só de sonhos a gente vive e sobrevive. O agora, esse momento, nesse instante, vivido, sentido, expe

Me dei conta

Muito me perguntava o que seria ser mulher. Desde a infância me diziam “sente-se como uma mocinha!”, “olha que brinquedinho lindo: um conjuntinho de panelas pra fazer comidinhas deliciosas!”, “menina brinca de boneca viu?”, “menina não faz xixi na rua. Segura um pouquinho que a gente já está chegando em casa”. Os anos passaram e me vi adolescente e as orientações dos mais velhos não paravam. “Primeira menstruação? Já é uma mocinha!”, “cuidado nas pernas quando estiver de saia!”, “arrume o cabelo desse jeito que assim você vai chamar a atenção dos garotos”, “que comida deliciosa! Você que fez!? Já pode casar!”, “quem é esse rapaz? Seu namoradinho? Cuidado, não existe amizade entre homem e mulher!”. Não sei em que momento exato do percurso da vida as vozes ficaram mais altas que meus pensamentos e eu não conseguia mais, por mim mesma, saber o que é ser mulher (talvez tenha sido no dia que concordei, sem pensar, que faço parte do grupo “sexo frágil”). Quando me dei conta, estava adulta

A garota do ônibus

Eu estava sentado no ponto do ônibus, quando uma garota de olhos pretos, com o cabelo preso como um rabo de cavalo, blusa branca e calça jeans,  sorriu pra mim e sentou do meu lado. Perguntou se aquele era o ponto que dava para o lugar que ela desejava ir. Disse que sim, hipnotizado pela forma com que ela insistia em arrumar a franja apesar do vento. Depois disso, silêncio. Minha cabeça estava vazia. Não conseguia pensar num assunto interessante para “puxar” conversa. Lembrei de um vídeo no youtube hilário. Respirei e abri minha boca. Nenhum som saiu. Levei a mão rapidamente a boca e fingi que bocejava, enquanto ficava enrubescido pela falta de voz. O que diabos estava acontecendo? Olhei de relance e a vi, com fones de ouvido, cantarolando uma música e meio que dançando com pés ainda que sentada. Tentei descobrir a música mas sem sucesso. Mais silêncio. Quando estou disposto a desistir, entrego meu olhar para o fim da rua e acabo avistando o ônibus. Aperto meus olhos para enxergar