17 anos. Pai, mãe, irmãos, amigos. O desejo da independência muito forte. Morar longe dos pais, fazer sua graduação, conseguir um emprego e poder viver sua vida do modo que desejar. Sonhos de alguém que deseja mais para vida porque a força da jovialidade faz isso. Mas esse alguém entra no meu consultório, fecha a porta atrás de si, suspira e me sorri como que por educação. Pergunto como está e num tom de voz baixo e pouco confiante diz que está tudo bem. Não acredito muito em sua resposta e passo a investigar mais a fundo o que lhe acontece. Num tom como de quem conta a um diário, narra que naquela semana não havia tido brigas em casa. Ela não havia sido xingada em nenhum momento. Para este alguém, sentado diante de mim a mais de um ano, era uma vitória e tanto já que costumeiramente o clima familiar não é um dos melhores. Porém havia uma inquietação na alma daquela jovem que a fazia balançar a perna, mexer-se no sofá como se estivesse sempre desconfortável e tomar uma almofada, abraçá-la contra o peito de um jeito apertado. Vi isso. Tremi, como pessoa que sente e teme. Perguntei: “o que anda te assustando?”. Olhos arregalados. Tenho quase certeza que a respiração cortou e o coração tomou um impulso acelerado de batimentos. Tomada de surpresa pela pergunta, baixa a cabeça e me responde: “eu só queria fazer a prova do ENEM, fazer o curso que quero e ter a chance de viver minha vida. Agora não sei se consigo. O medo que sinto vai terminar me impedindo de realizar o que quero.”. Silêncio. Apenas o tic-tac do relógio. Uma eternidade que durou 30 segundos. Ergue a cabeça, olha no fundo dos meus olhos e balbucia: “eu vou morrer?”. Agora o silêncio toma conta de mim. Não é uma pergunta que a gente escuta num dia qualquer, enquanto toma um chá. “Por que dessa pergunta?”, indago. “Uma pessoa estava andando, pelas ruas da minha cidade, de mãos dadas com outra, quando foi agredida por um desconhecido. Ele (o agressor), disse que aquilo ia acabar bem rápido porque as coisas estavam mudando. ... “aquilo” sou eu?” ...
Percebo que até aqui, nesse texto, não disse que minha
paciente é LGBTQ+. 17 anos. Ao invés de vivenciar a ansiedade em como será a
experiência da universidade, sofrer por terem partido seu coração, o que de
fato tirava seu sono e seu ânimo e no lugar o medo e a incerteza a invadiam,
era se conseguirá chegar aos 18 anos.
Te conto isso não como discurso político, mas como
alguém que aprendeu e aprende que o mundo é bem maior que nossas ideias e
concepções. É cheia de um monte de gente com vidas das mais diversas, que
carregam na incerteza do futuro o medo de não terem a chance de pagar pra ver o
que vai acontecer.
Será exagero? Drama? Mi mi mi? Espero que sim. E que
hoje tenha sido só mais um dia.
Comentários
Postar um comentário