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AMAdor

Conta-se a história (estória?), desde que o mundo é mundo, que o que nos move é amor. Todo mundo ouve isso e acredita nisso. De um jeito ou de outro. Querendo ou não querendo a gente termina dizendo que o que nos falta é amor ou o excesso dele que nos acaba por destruir.
Pois bem. Devidamente abordado o tema, vamos a uma historinha (estorinha?).

A vida era vivida como sempre por mim. Tomava meu café enquanto pensava quando as coisas mudariam ao meu redor tornando-se em amor. E assim se passaram anos. Sobrevivendo de meus traumas e tristezas, tomo decisões das menos corretas possíveis. Quase largo de mim mesmo. Mas então, afogado em minhas próprias vidas e desesperos, lutando sozinho e esquecido, encontro você. De maneira sutil, carinhosa, doce e sincera, você me anima e olhando em meus olhos sorri e diz que vai ficar tudo bem. Não sei como te agradecer. Fico em silêncio ouvindo meu coração vibrar de alegria. Havia encontrado o amor da amizade.
Saíamos juntos. Comíamos juntos. Sentia saudades de meu pai e você me ouvia. Falava como era difícil conviver com minha mãe e você me ignorava. Ria alto quando dizia que eu estava perdido. Eu ria junto. Fazia-me bem. 

A vida era vivida como sempre por você. Um dia te disse que ia sair de casa. Seu cabelo sempre caindo na testa e você insistindo em dizer que isso sim era um absurdo. "Ter que sair de minha própria casa!? Sim, é um absurdo!" e você sem entender nada, balançava a cabeça em negativa, não deixando de passar as mãos no cabelo e me dizia: "Só estou falando de meu cabelo!". Olhei pra você com ar de reprovação, mas quando vi seu sorriso tímido de desculpas, não consegui me manter sério e ri com você. Te perdoei.

Mudei-me e fui morar perto de você. Nos víamos demais e direto. Você preenchia meus dias de perfume, sorrisos, abraços e recados. E num daqueles dias, você, correndo, ofegante, diz que tem algo que precisa ser dito desesperadamente. Sentamos juntos no meu sofá, você sorrindo como criança boba, diz que está amando alguém. E me abraça. Se você pudesse ver meus olhos marejados enquanto me abraçava você teria dito aquilo de outras mil formas diferentes. Ou nem teria dito. Sorrio e meio que forçado digo que isso é ótimo e desejava muitas felicidades pra acompanhar aquele amor todo. Você diz que felicidade maior que aquela que sentia era impossível, se levanta e sai, fechando a porta atrás de si. Não sei quanto tempo passei sentado, sozinho, calado naquele sofá. Tentava entender aquela sensação estranha que me dava no estômago. Éramos amigos? Sim. Compartilhávamos tudo? Com certeza. Era amor? Sempre. 
Ei, espera... sempre amor?! Que amor? 
Não dormi naquela noite. Precisava entender. Me entender. 

A vida era vivida como sempre. Te via menos. Te ouvia menos. Mas você possuía o mesmo sorriso e o cabelo continuava caindo na testa. Sentia falta da gente mesmo sem haver o nós. No meio do percurso algo deu errado e você vai me ver, ofegante, como que dá última vez. Você me conta que não era amor. Minha respiração corta e sinto, dentro de mim, a chance de dizer a você o que é amor. Quando começo a abrir minha boca tão cheia de tanto pra te dizer, você emenda a conversa que o amor se via em outra pessoa que você tinha encontrado logo ali, numa das curvas da vida. Fecho meu coração e engulo minhas palavras mais uma vez. Te sorrio de novo e deixo você ir mais uma vez.

Não sei quantas vezes isso aconteceu, mas te ouvi todas as vezes. E você sabe. Chorei diversas vezes enquanto você me dizia que dessa ou daquela vez tinha encontrado o amor. E eu ali. Em silêncio esperando o momento que você me sorriria de volta com aquela segurança que ia ficar tudo bem de novo, você estava ali pra ficar do meu lado como sempre.

Mas ainda não aconteceu. Uma dessas vezes, e hoje quando lembro me forço a sorrir dizendo pra mim mesmo que foi engraçado, ficamos ali, na minha calçada, calados nos encarando sem ter nada muito educado a se dizer, porque mais uma vez você tinha amado a pessoa errada e eu continuava ali. Ainda ouço o som que você fazia com a chave como que sabendo que precisava ir embora mas insistia em ficar. Te disse que você ainda ia quebrar o coração ou a perna de tanta estupidez. Você deu de ombros. Mas quando você quebrou, eu corri até você e ajudei a te apanhar e colar pedaço por pedaço.

Estamos assim desde sempre. Ou desde que me lembro. Não sei se dói mais em mim ou em você ver no seu rosto tantas cicatrizes. Seu cabelo não cai mais na testa. Algo mudou. Ou eu mudei. Não espero mais ligações suas, nem você ir na minha casa. A propósito nem estou mais lá. Levei a mim e tudo que cabia dentro pra outro lugar. Outros abraços, outros assuntos, outros momentos. 

O seu sorriso ainda é lindo. Dirigido a pessoa errada? Talvez. Mas se der algo errado de novo, e no colo de alguém acabar a felicidade e nos olhos não existir mais amor, estarei aqui, do mesmo jeito, engolindo o choro, as palavras e te enchendo de abraços, ouvidos e ombros pra você estar. Porque eu sei que eu e você ama-dor. (GOMES, Roxane. 2016)

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