Nem te conhecia, e tinha acabado de sair de um relacionamento nada bom. Não queria estar com ninguém. Queria um tempo pra relembrar como é bom estar solteira. Nem busquei saber seu nome. Quando fomos apresentados, sorri de forma educada, mas nem prestei atenção no seu sorriso cativante.
Estava lá com outro propósito. E não era para meu benefício. Tinha alguém lá que havia me convidado, e com a situação criada, seu objetivo era me lembrar que os relacionamentos dariam sempre certo pra qualquer um, menos pra mim.
Já a noite, ainda me habituando com as pessoas, o clima e tudo mais, nos reunimos pra conversar e me conhecerem. Parecia um animal em extinção sendo apresentado. Eu, acuada e bem desconfortável com todos aqueles olhos me observando em cada movimento, e eles curiosos, como telespectadores que ficam se contorcendo de vontade de tocar e saber se realmente mordo como dizia o apresentador.
E você lá no canto tocando violão. Nem ergueu o olhar pra saber o que acontecia em seu redor. Enquanto todos olhavam pra mim, eu olhava você. E você nem percebeu. Engraçado. Comecei a me incomodar com a sua falta de atenção. Todo mundo queria conhecer a visitante e você, logo você, o carinha que menos havia me chamado a atenção não olhava. Como assim?
Tentei te ignorar e me repreender porque (e eu repetia pra mim mesma) eu não estava nem um pouco a fim de você. Dormi com esse mantra. Logo de manhã cedo, sai para fazer o que mais gosto e esbarrei em você.
- Droga, você aqui!?
- Por pouco tempo. Esse é meu hobbie favorito, mas vou viajar hoje.
Ele gosta de estar aqui tanto quanto eu? Foi o primeiro pensamento em meio a todo o incômodo que aquele encontro me causava. Passei a manhã pensando para onde ele havia ido e com quem estava. O que conversavam? Ele seria engraçado? Para garota, para de pensar. Você não se interessa por ele.
Deu-se início a uma tarde comprida e entediante.
Eu, já cansada de manter a pose de intrusa deslocada naquele espaço, relaxo o corpo e meio que me deito no sofá e começo a encarar a porta. Ouço passos no corredor e a porta se abre. Era ele. Endireito minhas costas no sofá e faço cara de nada, mas de olho nele para ver algum esboço de reação. Nada. Ele começou a ser um caso frustrante pra mim. Iniciei um interrogatório comigo mesma tentando achar o que faltava para que ele olhasse pra mim. Sou bonita? Sim. Inteligente? Sim. Esperta? Sim. Bem vestida? Sim. Tem conteúdo? Sim. Sim, sim, sim para tantas e tantas outras perguntas. Então o que faltava? Como assim eu não era o tipo dele?
Passou-se a manhã, tarde e noite e todo o resto que aconteceu durante aquele dia não era mais interessante do que o fato dele não olhar pra mim.
Manhã seguinte levanto da cama confiante e decidida a chamar-lhe sua atenção. Quando vou escolher o que vestir tento sempre me lembrar que não sou como as outras garotas e termino me vestindo de mim mesma e decido que dessa forma despreocupada eu pudesse relaxar e deixar de assustar as pessoas com a falsa propaganda. Quando fui me encontrar com alguns conhecidos você estava lá. Cumprimentei todos e sentei no sofá. Ri, conversei, e finalmente fiz o que sempre soube fazer de melhor: ficar em silêncio. Mergulhei em meus pensamentos e nem senti que alguém sentava ao meu lado. Me tiraram de meus pensamentos perguntando minha opinião sobre algo inútil e ao gesticular freneticamente encosto minha mão num braço. Recolho minha mão como se tivesse tocado no fogo quando então ouço o som da sua voz. Firme, melodiosa, num grave bom de se ouvir, falando sobre qualquer coisa. Levantei o rosto para ver quem estava ali e era você. Não. Meu coração não parou, minha respiração não cortou, nem senti calafrios. Apenas dei continuidade a conversa. Fiquei tão relaxada e tranquila ao encontrar alguém com gostos semelhantes aos meus, e de conversa tão boa que deitei no sofá para, confortavelmente, continuar a falar sobre tudo e também sobre nada. Ele fez o mesmo e ficamos rosto com rosto, em silêncio, nos encarando. Engraçado é que não pensei em interromper aquele adorável silêncio. Ele sorri e diz:
- Você tem olhos grandes.
- Eu sei.
- Sua testa é grande.
- Eu sei.
- Seu nariz é grande.
- Eu sei.
- Sua boca é linda.
- Eu sei.
- Isso não foi uma cantada.
- Eu sei.
E sabia que não era mesmo. E não me senti mal por isso. Gostei até. Encará-lo foi bom. O conheci. Ri despreocupadamente. Arrumei as malas, e voltei pra casa com um pensamento: se namorasse alguém de novo, seria ele.
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